Carnaval: o mundo onde eu quero viver!

 

Há alguns anos atrás, eu aprendi a desgostar de Carnaval.

É verdade que eu guardo boas e vagas lembranças de um “Que merda é essa?” e um “Periquito da madame”, carnavais de clube que eu ia com a minha família, ainda beeem pequena, e das noites assistindo as escolas de samba no sítio do meu avô.

Mas a minha experiência mais marcante era de mela-mela na infância (num dos quais uma mulher me surpreendeu por trás enchendo meus olhos de maizena) e de amarrar o tchan nas praias do Ceará na adolescência.

Na juventude, quando entrei na faculdade e comecei a me politizar, comecei a achar tudo isso fútil demais, e me refugiei no Carnaval cult de Guaramiranga, o Festival de Jazz e Blues. Era como um ato de rebeldia, pra negar aquilo que eu achava vulgar demais. E era, porque havia sido tirada a essência, a alma da festa. O mela-mela acabava sendo violento, em especial com as crianças, e as músicas de axé que eu dançava não vinham junto com uma leitura sobre a cultura afro-diaspórica.

Foi num governo de esquerda da prefeitura de Fortaleza que eu me REENCANTEI. A gestão de Luizianne Lins fortaleceu algo que provavelmente já existia, mas eu não acessava. O carnaval de rua de Fortaleza começou a renascer - pelo menos pra mim.

Pólos descentralizados da festa pela cidade, cortejos nas ruas, palcos nas praças… Fantasias traduzindo críticas sociais, reivindicações em forma de marchinha, a cultura cearense ganhando visibilidade, a ocupação das ruas com corpos e danças livres… Eu mergulhava em alegria e liberdade, mas também em segurança, em resistência, em luta política.

E pra a minha surpresa, descobri também uma CONVIVÊNCIA cuidadosa e gentil entre os foliões. Encontros e reencontros com amigos, mas também apoio e celebração com desconhecidos, cumplicidade no cuidado com crianças e idosos, consideração com cada corpo que se move e sente naquele espaço.

E fui descobrindo que Carnaval não é futilidade - ou melhor, ele pode não ser.

Esse ano, essa percepção se fortalece. Nos bloquinhos de rua, no entorno mercado, na praça, e dessa vez também voltando a assistir os desfiles das escolas de samba do Rio, a maioria delas com enredos focados na cultura AFRO-DIASPÓRICA e personalidades negras - não sem gerar incômodo a uma elite branca brasileira.

Pois bem, estou carnavalizando intensamente, por entender a POTÊNCIA dessa escolha. Porque carnavalizar é também meu jeito de honrar minha ANCESTRALIDADE - dos meus avós ao povo banto -, é meu jeito de questionar a lógica produtivista e consumista que rege o mundo, é meu jeito de transformar (mesmo que por 4 dias) a cultura de violência em culturaS de paz.

Carnaval pra mim é a própria experiência do mundo onde eu quero viver: um mundo onde cabem todes, com as expressões mais plurais de “raça”, gênero, orientação sexual, religiosidade - só não cabe intolerância religiosa e violência. Um mundo onde equilibramos a DENÚNCIA do que precisa mudar com o ANÚNCIO das mudanças já conquistadas. E celebramos a Vida!

Como aprendi com meus mestres, CELEBRAR é aquilo que nos faz seguir em frente. Então eu sigo, nesse carnaval, me fortalecendo pra luta que segue depois da quarta-feira de cinzas. Simbora!