O que se aborta não é um bebê, é uma gravidez
O que se aborta não é um bebê, é uma gravidez. E não é a mesma
coisa.
Esses dias um amigo falou: abortei a missão. Ele
iria deixar as crianças na escola, mas amanheceu com muita chuva (um
toró, como dizemos aqui no Ceará), a cidade estava alagada.
Contei
pro Benki. Ele se espantou: o que você disse? “O tio abortou a
missão”.
Então fomos conversar sobre o significado da
palavra aborto. Expliquei: significa interromper ou encerrar algo,
antes que esteja completo. "Por exemplo: a missão do tio era deixar
vocês na escola, ela não foi completada".
Então quando
uma mulher aborta, ela aborta a gestação, não um bebê. Significa
que ela interrompe um processo no seu corpo, que se completado,
resultaria em um bebê.
Benki já estava bem por dentro do
projeto de lei (PL) 1904. Não sabia que sua aprovação significava
equiparar aborto ao crime de homicídio na legislação, mas já
tinha entendido que era uma forma de diminuir a autonomia das
mulheres sobre seus corpos, e que as meninas vítimas de violência
sexual seriam as mais prejudicadas.
A gravidez, em alguns casos, gera risco físico ou mental para meninas e mulheres, e o direito delas (nosso) de interromper essa gestação é protegido por lei aqui no Brasil. É o chamado aborto legal, previsto em casos de estupro, risco de vida para a mulher ou quando o feto não possui cérebro (anencefalia).
Em outros países, a compreensão da legislação vai além, e permite à mulher decidir por prosseguir ou interromper a gestação em qualquer condição, mesmo que não tenha sofrido violência sexual.
Quando meu amigo decidiu abortar a missão de levar as crianças pra escola, não é porque ele não acha a escola importante, ou porque ele é contra as crianças estudarem, mas sim porque naquele caso, ele avaliou que fazer o trajeto de casa pra escola trazia mais risco do que benefícios.
Essa ponderação é indispensável em qualquer tomada de decisão, principalmente quando se trata de um processo que acontece dentro do corpo de uma (outra) pessoa.