Escutar em vez de silenciar, falar em vez de ser silenciado


Essa semana, a artista multidisciplinar, professora e pesquisadora Grada Kilomba deu uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Sua fala, num tom manso e ao mesmo tempo firme, me tocou e inspirou. Compartilho com vocês um trecho (transcrito de forma adaptado pra linguagem escrita) em que ela fala sobre comunicação de um ponto de vista complexo e profundo:


“Estamos falando de uma triangulação: falar, escutar e silenciar. Nesse momento pós-colonial, é muito importante exercitar essa dinâmica: aprender a escutar em vez de silenciar (o outro) e aprender a falar em vez de ser silenciado.
(...)
Nós sempre falamos, eu posso estar aqui a falar, mas se todos vocês que estão ao meu redor falarem ao mesmo tempo que eu falo, ninguém vai ouvir a minha fala. Esse é o exercício que precisamos fazer: aprender a escutar, para que as palavras que foram sempre apagadas, possam ser ouvidas. E acima de tudo, começar a construir um novo vocabulário e uma nova enciclopédia. E eu acho que é nesse momento que interrompemos a repetição da barbaridade, a repetição da violência.”


Quero destacar nessa fala de Grada, a marca do colonialismo nas formas de se expressar dos diferentes grupos de pessoas. Ainda mais no nosso contexto de um país colonizado, não podemos deixar de considerar as desigualdades e violências estruturais que marcam as relações interpessoais.

Assim, no trabalho com a Comunicação Não Violenta, não podemos deixar de lado a sua dimensão estrutural ou sistêmica. CNV não trata apenas sobre a comunicação interpessoal. É preciso levar em conta o modo como o processo histórico-cultural (no nosso caso, marcado pela colonização e escravização) condiciona a possibilidade de cada pessoa se expressar e as chances de ela ser ouvida ou silenciada em seu cotidiano e na sociedade, dependendo de a que grupo social ela pertence, assim como seus interlocutores.

Assim, as práticas de escuta empática e de expressão responsável, além das indispensáveis práticas de autoconexão, podem estar a serviço da transformação social, questionando na prática o racismo, a misoginia, a LGBTfobia, o capacitismo e outras violências, à medida que apoiam pessoas em situação de privilégio a escutar em vez de silenciar (o outro) e empoderam pessoas em condições subalternizadas a falar, em vez de serem silenciadas.