Comunicação Afetiva na Educação Biocêntrica

 

Encontro Vivencial de Comunicação Afetiva no Instituto Zeza Weyne
 

Comunicação Afetiva na Educação Biocêntrica 
 

(Texto elaborado a partir da fala na mesa “Comunicação e Inserção da Educação Biocêntrica na atualidade”, no III Congresso Latino americano de Educação Biocêntrica, em 23 de abril de 2022, e das aulas na Disciplina “Comunicação Afetiva – substituindo nosso vocabulário bélico e violenta e construindo uma comunicação cuidadosa e afetiva” que ministrei em cinco turmas do Curso Online de Educação Biocêntrica, entre 2020 e 2021.)

 

O que significa comunicar-se afetivamente em Educação Biocêntrica?

 

Para responder essa pergunta, quero trazer duas categorias básicas da Educação Biocêntrica. A primeira é a Construção de sentidos é uma das categorias básicas em Educação Biocêntrica. Gosto da definição de Comunicação como “construir sentido juntos”. Comunicar-se afetivamente requer incialmente construir sentidos juntos e juntas. 

 

Trago também uma outra categoria: o fortalecimento de vínculos. Comunicar-se afetivamente está diretamente relacionado a “fortalecer vínculos”. Então uma comunicação afetiva é aquela que está centrada no vínculo1, que parte da consciência dos vínculos – de que estamos todos interconectados – e que está voltada a fortalecer vínculos.

 

Pra continuar respondendo essa pergunta, quero propor a você uma vivência que vai levar 30 segundos, e que nos permite vivenciar essa consciência dos vínculos. Faz uma pausa na leitura, fecha os olhos, respira fundo e lembra de alguém que está cuidando de alguma coisa para que você possa estar aqui e agora lendo esse texto. E no seu coração, agradeça a essa pessoa. Ou a essas pessoas, pode ser que você lembre mais de uma. Perto ou longe, tem pessoas cuidando de algo para que possamos estar aqui.

 

Com esse convite, eu quis trazer para você a consciência da interdependência, da interconexão. E é daí que parte uma comunicação afetiva.

Nosso querido Cezar Wagner nos conta:

Comunicar-se afetivamente é viver com o outro, viver com tudo mais de uma forma em que o coração é a referência, em que o coração nos põe diante de si mesmo, da humanidade e da natureza em forma de irmãs e irmãos. Esses são pressupostos que fundam a possibilidade de uma comunicação plena de amor, de afeto, de respeito, de estar junto”2

 

Ao mesmo tempo, na construção desse diálogo sobre comunicação afetiva, podemos nos perguntar: de onde vem então uma comunicação que é alienante da Vida, uma comunicação que nos afasta da Vida?

 

E aqui quero trazer algumas oposições que tenho aprendido na minha caminhada e que tem me ajudado a compreender nosso mundo e a imaginar o mundo3 onde quero viver4.

A primeira, é a oposição entre Cultura agonista e Cultura hedonista, que nos apresenta Rolando Toro. Essa denominação foi inspirada nos estudos de etologia sobre sociedades de primatas.

As sociedades agonísticas de macacos se caracterizam por uma estrutura fechada, rígida, de permanente vigilância, na qual os fenômenos de agressão e fuga caracterizam uma permanente tensão. A sociedade hedônica dos grandes primatas se caracteriza por relações sensíveis, de contato e comunhão de objetivos”5

 

De modo resumido, uma cultura agonista nos leva a estar-contra o outro, enquanto uma cultura hedonista nos chama para o amor e para o Vínculo, para o estar-com o outro.

 

Rolando Toro também nos apresenta a oposição entre o Princípio Antropocêntrico, que coloca o ser humano no centro, e o Princípio Biocêntrico, que coloca a vida como referência do viver.

A vida como referência maior nos leva a outra forma de humanização, à sensível e profunda coexistência e à sacralidade do mundo. Amplia a consciência, revelando inúmeras possibilidades do viver profundo”.6

 

Colocar a vida no centro é a consciência da nossa interdependência.

 

A autora Riane Eisler7 descreve o paradigma da Dominação e o paradigma da Parceria.

No modelo da Dominação, alguém está por cima e alguém está por baixo, se relacionando através de relações de submissão: as pessoas aprendem a obedecer ordens sem questionar, e até internalizam as vozes que dizem que elas merecem ser punidas (ou premiadas); as famílias são baseadas em controle, o qual se sustenta através da culpa, medo e vergonha; aqueles que são diferentes são vistos como inimigos.

 

No modelo de Parceria, não há hierarquias rígidas de controle, e as relações se baseiam no respeito e no cuidado mútuo, liberando nossa capacidade de sentir alegria e prazer e criar soluções conjuntas. O conflito é visto como uma oportunidade de aprender e melhorar as relações e o poder é exercido do modo a incluir os outros, em vez de deixar alguém de fora.

 

De modo geral estamos falando da oposição entre duas formas de ver o mundo: acreditar que estamos separados e termos consciência de que estamos todos conectados, que todos somos um, como poetiza Rolando Toro:


TODOS SOMOS UNO8

La fuerza que nos conduce
es la misma que enciende el sol
que anima los mares
y hace florecer los cerezos.
La fuerza que nos mueve
es la misma que agita las semillas
con su mensaje inmemorial de vida.
La danza genera el destino
bajo las mismas leyes que vinculan
la flor a la brisa.
Bajo el girasol de armonía
todos somos uno

Rolando Toro Araneda

Mas nós crescemos numa cultura que nos ensina que estamos separados. Aprendemos a nos a nos relacionar a partir dessa visão. O modo como nos comunicamos está enraizado nesse modo de pensar.

Então, a comunicação alienante da vida vem desse pensamento de que estamos separados. 

 

Ela está em pensamentos como:

“Podemos bombardear outro país sem trazer consequências danosas para nosso país.”

“Posso consumir livremente sem trazer consequências para o planeta.”

Posso castigar uma criança, sem que isso tenha impacto na minha família.

“Posso criticar uma pessoa e isso não terá consequências para a nossa relação.”

 

Esse pensamento de que estamos separados nos aliena da Vida dificulta uma comunicação afetiva. Então o que precisamos é retomar essa consciência de que estamos todos conectados, e cultivar a intenção de nos comunicar e nos relacionar com as outras pessoas a partir dessa consciência: de que somos apenas fios da grandiosa Teia da Vida9, e tudo o que fazemos à Teia fazemos a nós mesmos, a nós mesmas. Cultivar essa intenção a todo momento.

 

E essa aprendizagem, - que na minha compreensão é uma aprendizagem-desenvolvimento, é um processo e não está pronto rapidamente, ela começa no corpo, no movimento e no gesto, e passa necessariamente pela palavra, pela linguagem e pela consciência. Daí precisamos cultivar ao mesmo tempo vivência e diálogo, ação e reflexão, como nos propõe o Método Integrativo Biocêntrico.

 

Cezar10 nos diz também que “a Educação Biocêntrica nos traz alguns aspectos que nos ajudam, em seu processo de aprendizagem desenvolvimento, a viver essa afetividade em seus processos comunicativos”. Sara Góis11 sistematizou alguns desses aspectos, afirmando que a Comunicação Afetiva em Educação Biocêntrica é sensível, íntima, marcada pela presença; por uma fala intencional, cheia de sentido, autêntica/honesta e espontânea; e por uma escuta empática e sem pré-julgamentos. 

 

Os elementos para uma Comunicação Afetiva na facilitação dos processos educativos em Educação Biocêntrica são a palavra geradora, que é contextualizada, organizadora do pensamento e tem relevância existencial; a intimidade verbal, que através de uma ambiência afetiva e acolhedora, estimula a expressão de opiniões sinceras e auto-percepções, onde cada pessoa fala de si mesma, escuta com atenção e amorosidade; e a consigna, que é um convite, feito através de palavras e gestos poéticos, afetivos e embasados, a uma ação transformadora12

 

Minha caminhada enquanto educadora biocêntrica e enquanto praticante e facilitadora de Comunicação Não Violenta tem me mostrado que essa última tem grandes contribuições conceituais e metodológicas que podem dar suporte à Comunicação Afetiva, permitindo-nos colocá-la em prática efetivamente, nos três níveis de vínculo: com nós mesmos, com o outro e com a totalidade, seja essa a natureza ou as estruturas sociais nas quais estamos inseridas/os. É isso que venho tecendo na minha prática de comunicação e vínculo.


1“Esse tipo de comunicação que viabiliza a criação da qualidade de vínculo necessária ao atendimento das necessidades de todos” – Marshall Rosenberg em “Criar filhos compassivamente – maternagem e paternagem na perspectiva da Comunicação Não Violenta”. Ed. Palas Athena, 201

2Góis, 2020.

3O bem viver – uma oportunidade para imaginar outros mundos. Alberto Acosta. Editora Elefante.

4“Criem uma imagem muito clara de que tipo de mundo gostariam, e então comecem a viver dessa maneira” – Marshall Rosenberg em “O coração da transformação social”. Ed. Palas Athena, 2020.

5Toro, 1991, p. 348-349.

6Cavalcante e Góis, 2015, p. 30.

7O poder da parceria. Riane Eisler. Ed. Palas Athena, 2007.

8Poesia de Rolando Toro Arañeda, coletada no livro: Educação Biocêntrica: ciência, arte, mística, amor e transformação. (2015)

9Carta do Chefe Seattle

10Góis, 2020.

11Cavalcante e Góis, 2020.

12Idem.

 

Referências:

Cavalcante, Ruth e Góis, Cezar Wagner de Lima. Educação Biocêntrica: ciência, arte, mística, amor e transformação. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2015.

Cavalcante Góis, Sara. Apresentação na aula da Disciplina “Comunicação Afetiva – substituindo nosso vocabulário bélico e violenta e construindo uma comunicação cuidadosa e afetiva” no Curso Online de Educação Biocêntrica, em 05 de setembro de 2020.

Eisler, R. O poder da parceria. Ed. Palas Athena, 2007.

Góis, Cezar Wagner de Lima. Vídeo apresentado na Disciplina “Comunicação Afetiva substituindo nosso vocabulário bélico e violenta e construindo uma comunicação cuidadosa e afetiva” no Curso Online de Educação Biocêntrica, em 05 de setembro de 2020.

Rosenberg, Marshall. Criar filhos compassivamente – maternagem e paternagem na perspectiva da Comnicação Não Violenta. São Paulo: Palas Athena, 2019.

Rosenberg, Marshall. O coração da transformação social. São Paulo: Palas Athena, 2020.

Toro, Rolando. Coletânea da Textos de Biodança. Fortaleza: ALAB, 1991.