Cadê a aldeia que tava aqui?



Fiquei com vontade de falar um pouco mais sobre a minha aldeia, porque fiquei com receio de ter passado uma imagem romantizada da minha realidade na postagem passada. E quando falamos de maternidade, desromantizar é preciso.

É verdade que tenho muitas pessoas que me apoiam (desde a gravidez) e não sei o que seria de mim sem elas. Minha companheira, meus pais, meus irmãos tem sido um suporte cotidiano. E por sorte (ou por escolha) moramos pertinho, o que facilita muito as coisas.

Quando viajamos com os amigos e suas crianças, por algumas horas posso até esquecer que tenho um filho - porque sei que tem alguém cuidando. Em outros momentos, sou eu que estou cuidando de 2, 6 ou 7 crianças. E isso me dá uma alegria sem tamanho.

Revezamos as caronas pra escola com um casal de amigos-irmãos e fico super feliz de poder ficar com minha sobrinha pro meu irmão e cunhada irem no cinema ou no teatro.

Ao mesmo tempo, nas noites em que eu trabalho, sempre escuto uma reclamação: "mamãe, você não vai dormir comigo hoje?"

Já aconteceu muuuitas vezes ao longo desses 11 anos de eu cancelar programas porque não tinha com quem ele ficar.

Eu já ouvi dele que eu sou a única pessoa em quem ele confia pra falar tudo (uau, que responsa!)

A verdade é que nosso modo de vida nos afastou da comunidade. Moramos isolados em casas e apartamentos a quilômetros uns dos outros. Cozinhamos e comemos separados. Estamos sozinhos quando nossos filhos adoecem. Então toda tarefa de cuidado fica muito pesada pra uma ou duas pessoas darem conta.

E sim, isso tem tudo a ver com a hegemonia de uma cultura sobre as outras. Aqui na nossa Pindorama, há 522 anos a experiência comunitária dos nossos povos originários, camponeses, quilombolas, ribeirinhos vem sendo ameaçada e destruída por muitos projetos coloniais rumo ao progresso e ao "desenvolvimento".

O êxodo rural que nós estudamos na escola em 1990 tem tudo a ver com a nossa solidão de hoje nas cidades em que moramos.

Complexo, né?! O que quero dizer é que a sobrecarga materna, a solidão e desamparo que vivemos ao cuidar das nossas crianças não é coincidência: ela é consequência de um processo histórico-cultural.

Então de novo: não existe salvação individual. Podemos ir reduzindo danos e reconstruindo as redes possíveis em meio à luta diária pra nos sustentar (material e emocionalmente). E é isso que temos feito por aqui.

A solução dos nossos problemas passa necessariamente pelo coletivo. Como convocou minha amiga Carolina Trinta, vamos aldear e aquilombar nossa parentalidade. Sem romantismos, mas com muita esperança!