Quarentena: tempo de reinvenção


Quarentena. A origem da palavra  tem a ver com o número quarenta. 40 dias era a duração inicial desse recolhimento - isso na idade média. Também dura 40 dias a Quaresma - que aliás, está chegando ao fim essa semana, com o grande símbolo cristão da transformação: a ressurreição de Jesus. Quarenta dias é também a duração do resguardo, período em que as mães e seus recém-nascidos ficam - ou deveriam poder ficar - quietinhos em casa, só recebendo cuidados - porque já da muito trabalho viver toda a transformação desse momento.

Quanto tempo vai durar nossa quarentena? Não sabemos... Em diversos estados do Brasil (e também ao redor do mundo), ela foi decretada pelos governos na tentativa de "mitigar" o espalhamento do vírus Covid-19. A partir daí, tudo mudou. Ou quase tudo.

Algumas pessoas podem se resguardar em casa. Outras precisam sair de suas casas para manter o mínimo funcionando - inclusive os serviços de saúde. Outras ainda, nem casa tem, ou moram em uma situação tão precária, que ficar em casa não se traduz em prevenção. E assim as semanas passam, ao fim de algumas delas, o decreto de quarentena é renovado, mesmo com o questionamento e insatisfação de alguns setores da sociedade. Por quanto tempo viveremos essa situação? Não sabemos. E com essa incerteza precisamos conviver.

Nesse momento, tão único nas nossas histórias pessoais, damos de cara com uma qualidade da vida que nos esforçamos em não ver: a Imprevisibilidade. Nossa cultura ocidental disfarçou-a como pôde, escondeu-a atrás de programas, planejamentos, previsões. E de algum modo, a inteligência suprema - que alguns chamam de Deus, outros de Gaia -, escancara para nós essa verdade: não podemos controlar o fluxo da Vida. E agora, o que fazemos, se nossos rituais para lidar com essa imprevisibilidade estão perdidos? Se nos afastamos das danças para fazer chover, das fogueiras para nos comunicar com os deuses e nossos ancestrais?

Diz um pajé, pela boca de Socorro Acioli, numa história infantil que eu amo: "quando a gente não sabe onde ir, é melhor voltar por onde veio"*. De algum modo, precisamos dar marcha-ré: ré-tornar para algum lugar seguro dentro de nós. Re-pensar nosso modo de viver.

Tenho sentido uma necessidade muito grande me re-colher. Como uma lagarta que adentra seu casulo, intuo que preciso agora me re-inventar. E compartilho com você essa impressão: não se trata de "esperar isso tudo passar". Nada será como antes... Esse tempo é de re-invenção. Não tenho o manual, nem sequer tenho dicas de "Como se reinventar na quarentena em 7 passos". Talvez, então, eu seja inútil nessa internet que, em vez de parar, acelerou na quarentena. Mas preciso ser honesta com você.

Tenho porém, pra compartilhar contigo, uma enorme disposição de ser e fazer diferente. Estou agora cuidando de algumas coisas e pessoas muito especiais, aqui dentro. Mas em breve, sairei do casulo e voaremos juntas/as não sei bem pra onde - ninguém sabe. Mas tenho guias em que confio muito...

* Tempo de Caju, Socorro Acioli.